segunda-feira, 1 de junho de 2009

A (minha) quinta história


A quinta história chama-se “Leibnitz e a Transcendência do Amor na Polinésia”. Começa assim: queixei-me de baratas. E segue até o exato instante em que, vendo os monumentos de gesso, tenho certeza de que estão mortas. Porém, ao mesmo tempo, lembro-me de que estarão vivas nos canos da renovação, seguindo, em fila-indiana para novamente cumprir a saga. Assim, eu deveria mesmo renovar, ritualmente, aquele açúcar letal, todas as noites. E não conseguiria dormir enquanto não o fizesse. E mais que isso, estaria viciada em verificar a matança. Estremeci. Mas não de pensar no que primeiro me veio: que eu viveria, então, vida dupla, eu-mesma e eu-feiticeira, e sim de pensar que não há nada mais natural. Isso é o amor. Não, pensei, eu não estou louca. O amor é assim mesmo, duplo. Ambíguo. Alegórico, a melhor palavra. É por amor que ritualizamos as coisas: rezamos todas as noites por amor a Deus; por amor, passamos cremes e mais cremes antes de dormir. Senão por outra pessoa, por nós mesmos. É por amor que fazemos de nossas vidas dias cheios de ritos. De prece, de beleza, de sabedoria, de prazer... não importa de quê.

No entanto, como diria Leibnitz, a essência dos corpos não consiste na extensão, mas na força. Não eram importantes as baratas que transformei em estátuas, mas a força que me motivou o homicídio e que me faria me sentir melhor. E, pensando nelas, quem sabe não existe céu para as baratas? Aquelas, certamente, é para lá que vão, foram assassinadas fria e brutalmente, sem chance de defesa. Entretanto, não sou assassina, apenas alguém que ama mais a si mesma que às baratas. O ato sugere um assassinato, mas é uma forma de amor. A mim. E, otimistas, ainda como o filósofo, tudo vai da melhor forma no melhor dos mundos possíveis: no paraíso das baratinhas brutalmente assassinadas, elas descansam em paz, e eu, aqui em casa mesmo, apesar do rito, me alivio sem a presença delas.

Matar e amar. Matar por amor. Matar o amor?! Sim, penso, estou ficando louca. Matar alegoricamente. Filosoficamente amar. Era apenas uma forma de me livrar de baratas, sugestão de uma tal senhora que ouviu-me queixar, mas já estou quase resolvendo a questão da transcendência do amor na Polinésia...
Daniela Samira da Cruz Barros

2 comentários:

  1. Realmente muito coerente! Gostei desse final, sugerido pela autora. Amor... filosofia... transcendencia... meu Deus! Eram só baratas!rsrsrs...

    Acho que tá aí o "x" da quextão! rsrs... O conto que nos faz a prestar atenção em simples baratas!

    Parabens, Samira! (gostei muito mesmo de ler um conto teu) Já li a poesia... a crônica... agora o conto... só falta a música que você prometeu!rs...

    beijooo

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  2. Parabéns, Daniela Samira, pelo texto, muito coerente, interpretou bem o texto A quinta história e desenvolveu bem a SUA quinta história.
    Valeu,
    Noemi

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"Não, meu coração não é maior que o mundo, é muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores, por isso gosto tanto de me contar!" (CDA)